sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Lust For Life- Iggy Pop (1977)




Freud não explica a pulsão de vida que este disco é capaz de injetar em poucos segundos. “Lust For Life”, canção popularizada pelo filme Trainspotting, está além da vã filosofia deSigmund. Quem ler as colagens do inconsciente de William Burroughs encontrará pistas: o Johnny Yen da letra, o cara que chega “com a bebida e as drogas” e “vai fazer mais um strip-tease”, é um predador sexual venusiano extraído do livro The Ticket That Exploded. 
Quando tira a roupa nas páginas do escritor americano, Yen mostra um pênis que vira clitóris; Iggy mistura ainda mais as já confusas estações de Burroughs invocando outro personagem de outra novela, The Soft Machine, que diz que o amor é “como hipnotizar galinha”...
Melhor seguir a batida que Hunt Sales imprime à faixa, um chamado selvagem africano que ficou estilizado para a posteridade nas gravações de Bo Diddley - e que, desanfetaminado, faz a festa também em “You Can’t Hurry Love”, das Supremes. Depois de vomitar Burroughs, Iggy decreta que está cheio de dormir pelas calçadas e que não vai mais espancar o cérebro com birita e drogas porque tem o tal tesão pela vida. Licença poética pura: naquela época, seu alterego James Osterberg parava em pé à base de cocaína, haxixe, vinho e salsichas alemãs.
Aos trinta anos, Iggy pela primeira vez habitava imóvel alugado em seu nome: um apartamentinho em Berlin, austeramente decorado e sem água quente. A mudança para a Alemanha fôra idéia do amigo David Bowie, que um ano antes o içou das sarjetas de Los Angeles para um cotidiano menos desregrado. Estava funcionando: em junho de 1977, meros três meses após lançar o aclamado The Idiot, a dupla voltava ao estúdio para gravar Lust For Life. Bowie cravaria outras duas maravilhas naquele ano da graça: Low e “Heroes”.
Biógrafos apostam que a relação entre os parceiros nunca foi sexual. Era admiração mútua, com a diferença que Bowie queria ser Iggy; passou até a cantar num registro mais baixo para imitá-lo. Para alguém facilmente perturbável, isso era... muito perturbador. A amizade azedou: se em The Idiot, o afável Jimmy Osterberg abanou o rabo, em Lust For Life, Iggy soltou os cachorros. Mas o disco equilibra como nenhum outro as duas personas do cantor: intelectual sensível e animal sem censura.
Um lambe o chão de bares decadentes, atraído por ninfetas com botas de couro (“Sixteen”), e é compelido pela vida dura a praticar pecados esquisitos (“Some Weird Sin”). Outro passeia celebrando a vida (“The Passenger”) e canta o amor sem cinismo (“Fall In Love With Me”). Entre esses mundos, duas obras-primas que, por concidência, Bowie regravaria em 1984: “Neighborhood Threat”, coronhada brilhante na indiferença social, e “Tonight”, um gospel de arrepiar que o parceiro transformou em reggae safado, cortando a overdose do começo da letra: “Eu vi meu amor/ Ela estava ficando azul/ Eu soube que logo/ Sua vida acabaria/ Então me ajoelhei/ Ao lado da sua cama/ E essas foram as palavras que para ela eu disse/ ‘Tudo vai ficar bem hoje à noite’...”
Letras como essa saíam no improviso, da noite pro dia, dentro do estúdio. Com punch garageiro, mas clareza sonora exemplar, a banda deixou tudo registrado em poucos dias. Os irmãos Hunt (bateria) e Tony Sales (baixo) como força bruta propulsora, dois guitarristas fazendo a diferença. Um deles era Carlos Alomar, fiel escudeiro de Bowie. O outro, herói pouco cantado, era o escocês Ricky Gardiner, um ex-progressivo que achou o riff de “Passenger”. Sua explicação esotérica para o status de clássico do álbum: a lua cheia na semana das gravações.
Elvis Presley morreu em 16 de agosto de 1977; Lust For Life sairia em 7 de setembro de 1977. A gravadora RCA mal perdeu tempo com a obra-prima de Iggy; 96 por cento de sua força produtiva estava fabricando LPs do rei morto. Assim que ouviu o disco pronto, Iggy achou tudo horrível, lento demais, e mergulhou de volta na paranóia cocainômana. Banho frio em Berlim jamais poderia ser uma solução definitiva. E galinhas são facilmente hipnotizáveis.

Pedro Só e jornalista e escreveu essa DB para a um número da Bizz, que não chegou a ser publicado.

Faixas:

  1. Lust for Life
  2. Sixteen
  3. Some Weird Sin
  4. The Passenger
  5. Tonight
  6. Success
  7. Turn Blue
  8. Neighborhood Threat
  9. Fall in Love With Me
Download

Senha: rndecay

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