terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pesadelo na Discoteca (Básica)


Não me lembro quando foi que comecei REALMENTE a ler a Bizz. Lembro de uma tarde super divertida em que uma colega de trabalho de minha mãe trouxe sua coleção da supracitada aqui pra casa, para deleite da garotada. Eu tinha uns 8 ou 9 anos. Parece que a coleção ficou aqui por meses, de tanto que eu lia e relia tudo. Tirei xerox de algumas coisas, recortei na cara dura outras e até parece que ela não percebeu os buracos... tsc, tsc.

Tempos depois, meu irmão do meio ganhou uma assinatura de presente de aniversário. Eram os anos 90 e apesar de sempre ter alguma esquisitice escondida que me interessava, dentre os grandes destaques não tinha nada de muito impressionante. Não conseguia gostar dos grandes sucessos de público e crítica, e era chato ser adolescente numa era que tinha vergonha da década anterior. 

Comecei a procurar as edições antigas em sebos, e assim fui criando minha modesta coleção. Vibrava cada vez que achava uma notinha sobre qualquer banda que me dissesse alguma coisa - algo que eu gostasse ou que achasse que poderia vir a gostar quando ouvisse (depois de descolar o dinheiro pra importar o CD, claro). Já era o bastante para me fazer comprar a revista, mesmo porque era barata nos sebos. Se tinha foto então, era a glória... Passaram-se os anos e nem lembro direito o que fiz com meus recortes e revistas. Estão escondidos em algum lugar do sótão, destino nem um pouco digno - pra desespero de colecionadores de respeito.  

Desde então, não tive mais nenhuma relação com a revista até que a blogada de algum André - Barcinski ou Forastieri, não lembro - me levou à comunidade da revista no Facebook. Lá, lembrei de como é divertido discutir música como sendo mais importante que um membro da família ou um órgão vital (ok, nem tanto) e fiz algumas amizades preciosas. 

Um amigo da comuna pensou na ideia de fazer um blog inspirado na coluna "Discoteca Básica", da Bizz. Achei sensacional. Afinal, quantos grandes admiradores e entendidos de música (muito mais que eu, diga-se) não começaram sua "formação" lendo a última página da Bizz? Tantos discos marcantes, importantes para a música e imaginário coletivo pop foram dissecados ali?

E qual foi a minha surpresa ao finalmente me dar conta que dá pra contar nos dedos de uma mão os discos da DB que realmente tiveram algum impacto na minha vida? E, pensando a respeito agora, até que faz muito sentido... Sempre achei a coluna meio fora da minha realidade, "adulta" demais pra alguém com 11 anos de idade que, apesar de estar adentrando o adorável mundo da música "esquisita", ainda gostava de música pop e tinha discernimento o bastante para saber que consumia um tipo de música que provavelmente nunca teria o apreço da "crítica especializada". Ler a DB pra mim era como tentar assistir do lado de fora, pelo buraco do muro, o show de uma banda que não me interessava - sem ter nem ao menos uma cadeirinha para me sentar. Não me dizia respeito, então pra que me preocupar? 

                                    "O Polyrock JAMAIS apareceria numa DB"                 

O tempo passou, a revista mudou de nome e eu parei de acompanhá-la com mais afinco - no máximo dava uma lida por alto na que algum amigo comprava e que por acaso parava na minha mão. Comprava revistas importadas e conversava sobre música com "music nerds" que fui conhecendo por aí (muitos em lojas de discos), em tempos pré-internet. Nessa época, finalmente conheci alguns desses discos que "mudaram a minha vida" (acho esse termo meio exagerado, mas...) e que ouvi demais - até cansar. Demorou até eu finalmente ver um desses discos dar o ar de sua graça numa DB, e não pude deixar de sentir um certo desapontamento: "Mas só agora vocês resolveram dar algum crédito a eles? É tarde demais". Demorou tanto que até a adoração que eu um dia tive pelo disco se foi, cansei de tanto ouvi-lo - sem falar no típico caso de álbum que é tão marcante que fica associado a determinada época, tornando-se datado. Foi por pouco que uma DB não mudou a minha vida - e eu queria muito que isso acontecesse, tamanho respeito eu tinha pela Bizz. 

Por outro lado, não posso deixar de dizer que esse "distanciamento" teve sua utilidade. Fui me apegando a discos que me diziam alguma coisa (mesmo que eu não soubesse exatamente o que - rá!) independente de serem os favoritos da crítica. Minha coleção de discos acabou virando uma "anti-DB" (ou o "lado B da DB"?), pois preferi voltar minha atenção às escolhas menos óbvias - por exemplo, porque diabos eu correria atrás da obra de Elvis se é o tipo de coisa que acabará chegando a mim de uma forma ou de outra, queira eu ou não? Não tem como escapar de sua influência e/ou achar que ela não existe. E não tinha porque só ficar atrás das coisas de sempre achando que não tem nada além.  

Em se tratando de uma revista, eu acreditava que eles teriam certos critérios ao escolherem um disco para constar na coluna - discos de impacto na sociedade e/ou na história da música. Só que eu buscava um impacto em mim e na minha história. Individualista? Sem dúvida. Não troco minhas bandas favoritas pelos Beatles - apesar de reconhecer toda a influência destes nas bandas em questão. Tornou-se parte de mim, querer dar preferência aos esquecidos, subestimados - ou o adjetivo que o leitor preferir. E eu meio que devo isso a eles, por toda a música boa que foi feita "PRA MIM" ;)

Participar de um blog como esse seria o ideal, a oportunidade para lavar a égua daqueles que foram deixados de lado. Só que não sou de "apresentar bandas" pra ninguém, por achar que as pessoas não vão gostar - reflexo lá da adolescência, quando eu ainda era a "aberração musical" da escola e do grupinho de amigos. Acho que não tem como justificar algo tão subjetivo, ainda mais tratando-se de um impacto pessoal e intransferível, e não um fenômeno mundial - "vocês TEM QUE gostar desse disco por isso..." é algo que acho que não consigo fazer.

De qualquer forma, o estrago foi bem sucedido. Apesar da Discoteca Básica não ter me apresentado O Disco que viraria minha vida de cabeça pra baixo, a Bizz teve papel fundamental para eu me tornar essa pessoa com gosto musical tão peculiar. 
Só posso dizer: VALEU! 



- M.B.. não existe. É fruto de sua imaginação.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Álbuns de Maioridade


Certos livros são excepcionais não apenas porque apresentam conteúdo interessante, mas porque a maneira como são escritos demanda um tipo específico de raciocínio do leitor.

A exposição do assunto segue a linha de pensamento do autor de tal modo que você passa a pensar daquele modo também ou, de qualquer forma, de um modo correlato, diferente do seu usual.

Pra mim a sensação, após leituras como essas, é a de que eu fiz um exercício movimentando outros músculos que eu nem sabia que tinha, e é como se isso me encorajasse a tentar novos gestos, em outras situações.

Eu nunca havia lido as transcrições das aulas do Foucault, apenas livros escritos por ele para serem lidos. E “O Governo de Si e dos Outros”, primeiro volume de um dos cursos que ele ministrou em 1983, provocou esse efeito em mim.

Acho que foi só por isso que cheguei a uma reflexão sobre certo tipo de álbum musical, que sempre identifiquei mas nunca fiz nenhuma reflexão pra delimitar. Pensei em chamá-lo de “álbum de maioridade”, mas talvez vocês encontrem um nome melhor.

Cheguei a essa definição quando estava cantarolando uma música do Kid Abelha, “A Fórmula do Amor”, e pensei “caramba, quanta música o Kid Abelha tem sobre o mesmo assunto – a inépcia nas relações amorosas adolescentes e pós-adolescentes”.

Não foi difícil partir para uma contextualização histórica: essas letras são da fase do Leone. Aí lembrei do primeiro álbum do Kid Abelha sem o Leone, e o quanto – apesar de gostar do Leone – apreciei a guinada que a banda tomou. O álbum é o “Tomate”.

Saindo dessas tramas autocentradas de adolescente, foi como se a banda tivesse alcançado a “maioridade” (e o Sidney me apontou o quanto isso me foi inspirado pelo Kant mencionado por Foucault), aberto seus olhos para o fora, para o redor de si.

“Tomate” tem músicas sobre moradores de rua (“No Meio da Rua”), sobre leões de chácara (“Leão”), sobre relação de mãe com filha (“Amanhã é 23”), e inclusive uma música que simboliza essa maioridade, com um tema tão prosaico que parece estar defendendo a simples vontade de tornar qualquer coisa tema de uma canção: a faixa-título “Tomate”.

Então: essa vontade é que é o importante. Algumas das faixas nem são tão boas. E há outras mais tradicionais na temática. Mas existe essa vontade, e pelo resultado a banda parece dizer “Não preciso mais ficar fincando pé em definir quem eu sou. Seja o que eu for, isso vai aparecer naturalmente quando eu falar sobre as coisas mais diversas”

É bom deixar claro que álbuns assim não são conceituais. Talvez se possa dizer que são “meta-conceituais”, porque o que une cada música às outras é uma disposição, não um conceito. Uma disposição que acaba mostrando o que é o estilo da banda, mesmo sem querer. Quanto mais se fala de coisas diferentes, mais o que é realmente a banda, apenas a banda, se manifesta...

Depois de fixado o conceito (da disposição), pensei em outros álbuns que me passassem uma impressão semelhante. Logo de cara lembrei do “Cabeça Dinossauro” dos Titãs, falando de igreja, família, polícia, salário – em reggaes, hardcores, funks.

Outro ponto a acrescentar, portanto: o “falar sobre” não precisa ser só com a letra. Usar a fôrma de determinado ritmo ou estilo musical também é se aventurar em outros contextos, também é sair de si.

Aí pensei nos discos estrangeiros, e dessa possibilidade de profusão de estilos evocados. “The Head on The Door”, do Cure, é assim. Tem faixa espanhola, japonesa, “extraterrestre” ("Six Different Ways" é a única faixa de compasso composto do Cure, pelo que eu saiba), funkeada, e uma hors-concours que eu coloco no álbum porque tem o mesmo clima e foi feita na mesma época: “A Few Hours After This”, feita com tutti orquestral.

Outro álbum de maioridade típico é o “Dark Side of the Moon”, do Floyd. Após a crise de identidade de levar a banda sem o Syd Barrett, é como se, à distância astronômica sugerida no título, eles olhassem toda a humanidade e as suas principais questões: a guerra em uma faixa, o dinheiro em outra, o tempo, o aconchego... e a maturidade deu confiança para uma nova visão da própria alienação mental, com “Brain Damage”. A coda final, “Eclipse”, explicita o projeto, pois fala de absolutamente tudo.

Deixo agora o conceito pra quem quiser aplica-lo a outros álbuns de outras bandas. Qual seria o álbum da maioridade dos Beatles? Dos Stones? Do Clash?

Agora caiu a ficha que eu comecei falando do livro do Foucault, que EVIDENTEMENTE proporciona reflexões muito mais produtivas e interessantes que essa. Por favor, façam vista grossa quanto a esse detalhe. 

Por Lois Lancaster, um cara do RJ que faz música, frases e imagens

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Hvis lyset tar oss - Burzum (1994) Misanthropy Records


Segundo a hagiografia pop corrente, os anos noventa foram invadidos por profetas apocalípticos que gritavam – em meio ao laquê das hair bands de LA, as pistolas do gangsta rap e as pickups das raves – que o túmulo do rock se encontrava aberto e fedorento. Foi quando um messias iniciou sua missão e salvou o rock do toque da sexta trombeta.

Mas em 1994, com 27 anos, o salvador ungido de microfonia nos ofertou seu sangue e corpo. A Paixão do Cristo alternativo carregando a cruz do mainstream teve o seu Gólgota numa casa em Seattle. Uma contradição quase que barroca - algo inesperado para um típico white trash como foi o santo do Grunge – o levou a limpar com seu sangue os pecados do rock depois que os guerrilheiros não tomaram o palácio.

Se Cobain é produto de uma geração que cresceu na América conservadora de Reagan, Kristian Larsson Vikernes, ou Varg Vikernes, único integrante do Burzum, é filho do welfare state social-democrata da Noruega. Santo Cobain era marcado pela inadequação, pelo ódio de si – algo que é perceptível em suas letras e na série de contradições que, ao que parece, levou tão à sério. Varg não. Seu ódio era dirigido contra o mundo – os outros é que são inadequados. Para ele, o bem-estar social nórdico seria apenas o ápice de um longo processo de degeneração que se iniciou com a entrada do Cristianismo na Noruega séculos atrás. Sua ideologia é um pastiche de nazismo, religião escandinava, romantismo tardio e clichês antidemocráticos e racistas.

Count Grishnackh, pseudônimo adotado por Varg retirado de um personagem do Senhor dos Anéis, não comete suicídio: um mês antes do tiro que santificou Cobain, iniciava-se seu julgamento. Acusação: assassinato de Øystein Aarseth, guitarrista do Mayhem, e o incêndio criminoso de quatro igrejas centenárias na Noruega. Hvis lyset tar oss, gravado desde 1992, foi lançado nesse mesmo mês.


Desde a influência do Bathory dos primeiros discos, com seu apunkalhamento sombrio do Black Metal irônico do Venom, até a produção intencionalemente lo-fi – marca da influencia do I.N.R.I. do Sarcófago em toda uma geração de bandas norueguesas – Hvis Lyset Tar Oss sintetiza toda a linhagem do Black Metal anterior a ele. Simultaneamente, a faixa “Tomhet”, com seus 10 minutos de camadas de teclado, aproxima o Black Metal da música ambiente e eletrônica. Tal aproximação, que assusta os moralistas do metal e do rock, é apenas a consumação de um processo da qual o Black Metal, o Death Metal e o Grindcore são a quintessência: não apenas a radicalização do rock’n’roll, mas sim a ruptura – ideológica e musical – definitiva. Seja nas faixas com guitarra, baixo e bateria ou em “Tomhet”, tem-se em Hvis lyset tar oss, um eterno aceno de adeus a Chuck Berry, Robert Plant, Roger Waters e Johnny Rotten. O rock, talvez em função de suas raízes no blues, apontava para algo em sua objetividade protestante: seja aquilo que está soprando no vento, seja a anarquia, seja a xoxota de Marianne Faithfull. Hvis lyset tar oss apenas anseia a destruição do que há e o desejo de ir para outro lugar.

Hoje o Black Metal se tornou inofensivo e completamente adaptado ao mundo que o tanto odiou. O Burzum produziu dezenas de Creeds, haja visto bandas como Nargaroth que vivem de emular a sonoridade de discos como Aske e o Hvis lyset tar oss. O cenário Black Metal norueguês já foi tema de documentários como Until the light take us, além servir de ferramenta teórica para o combo filosófico do Hideous Gnosis. O Satyricon colocou modelos desfilando em seus shows e Alexandre Herchcovitch já fez uma coleção baseada na estética "corpse paint". Bandas de Black Metal entram em trilhas sonoras de filmes hollywoodianos.

Em 2009, cumprindo condicional, Varg saiu da prisão.

Apesar do armistício decretado, Hvis lyset tar oss é um dos monumentos de uma década que pedia uma ruptura que fosse além da queda do Muro e que, como em outras vezes, acabou oferecendo apenas mais um Cristo com suas relíquias sacras a serem expostas no Rock and Roll Hall of Fame. O Burzum, assim como inúmeras outras bandas de Black e Death da época, mostraram que ao apostarmos seriamente em ideologias, nos apenas acenamos para o nada – seja via suicídio, seja via arte. Alguns acenam com pompa e tiros, outros, apesar das igrejas incendiadas e dos assassinatos, acenam ironicamente. 

Faixas:
1.      Det som em gangvar
2.      Hvis lyset tar oss
3.      Inn i slottertfra droemmen
4.      Tomhet
Link para baixar: 
http://www.mediafire.com/?m52em3zezio

Anderson Cfl vive em Brasilia, rodeado por montanhas de bonecos, livros e quadrinhos.