sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Lust For Life- Iggy Pop (1977)




Freud não explica a pulsão de vida que este disco é capaz de injetar em poucos segundos. “Lust For Life”, canção popularizada pelo filme Trainspotting, está além da vã filosofia deSigmund. Quem ler as colagens do inconsciente de William Burroughs encontrará pistas: o Johnny Yen da letra, o cara que chega “com a bebida e as drogas” e “vai fazer mais um strip-tease”, é um predador sexual venusiano extraído do livro The Ticket That Exploded. 
Quando tira a roupa nas páginas do escritor americano, Yen mostra um pênis que vira clitóris; Iggy mistura ainda mais as já confusas estações de Burroughs invocando outro personagem de outra novela, The Soft Machine, que diz que o amor é “como hipnotizar galinha”...
Melhor seguir a batida que Hunt Sales imprime à faixa, um chamado selvagem africano que ficou estilizado para a posteridade nas gravações de Bo Diddley - e que, desanfetaminado, faz a festa também em “You Can’t Hurry Love”, das Supremes. Depois de vomitar Burroughs, Iggy decreta que está cheio de dormir pelas calçadas e que não vai mais espancar o cérebro com birita e drogas porque tem o tal tesão pela vida. Licença poética pura: naquela época, seu alterego James Osterberg parava em pé à base de cocaína, haxixe, vinho e salsichas alemãs.
Aos trinta anos, Iggy pela primeira vez habitava imóvel alugado em seu nome: um apartamentinho em Berlin, austeramente decorado e sem água quente. A mudança para a Alemanha fôra idéia do amigo David Bowie, que um ano antes o içou das sarjetas de Los Angeles para um cotidiano menos desregrado. Estava funcionando: em junho de 1977, meros três meses após lançar o aclamado The Idiot, a dupla voltava ao estúdio para gravar Lust For Life. Bowie cravaria outras duas maravilhas naquele ano da graça: Low e “Heroes”.
Biógrafos apostam que a relação entre os parceiros nunca foi sexual. Era admiração mútua, com a diferença que Bowie queria ser Iggy; passou até a cantar num registro mais baixo para imitá-lo. Para alguém facilmente perturbável, isso era... muito perturbador. A amizade azedou: se em The Idiot, o afável Jimmy Osterberg abanou o rabo, em Lust For Life, Iggy soltou os cachorros. Mas o disco equilibra como nenhum outro as duas personas do cantor: intelectual sensível e animal sem censura.
Um lambe o chão de bares decadentes, atraído por ninfetas com botas de couro (“Sixteen”), e é compelido pela vida dura a praticar pecados esquisitos (“Some Weird Sin”). Outro passeia celebrando a vida (“The Passenger”) e canta o amor sem cinismo (“Fall In Love With Me”). Entre esses mundos, duas obras-primas que, por concidência, Bowie regravaria em 1984: “Neighborhood Threat”, coronhada brilhante na indiferença social, e “Tonight”, um gospel de arrepiar que o parceiro transformou em reggae safado, cortando a overdose do começo da letra: “Eu vi meu amor/ Ela estava ficando azul/ Eu soube que logo/ Sua vida acabaria/ Então me ajoelhei/ Ao lado da sua cama/ E essas foram as palavras que para ela eu disse/ ‘Tudo vai ficar bem hoje à noite’...”
Letras como essa saíam no improviso, da noite pro dia, dentro do estúdio. Com punch garageiro, mas clareza sonora exemplar, a banda deixou tudo registrado em poucos dias. Os irmãos Hunt (bateria) e Tony Sales (baixo) como força bruta propulsora, dois guitarristas fazendo a diferença. Um deles era Carlos Alomar, fiel escudeiro de Bowie. O outro, herói pouco cantado, era o escocês Ricky Gardiner, um ex-progressivo que achou o riff de “Passenger”. Sua explicação esotérica para o status de clássico do álbum: a lua cheia na semana das gravações.
Elvis Presley morreu em 16 de agosto de 1977; Lust For Life sairia em 7 de setembro de 1977. A gravadora RCA mal perdeu tempo com a obra-prima de Iggy; 96 por cento de sua força produtiva estava fabricando LPs do rei morto. Assim que ouviu o disco pronto, Iggy achou tudo horrível, lento demais, e mergulhou de volta na paranóia cocainômana. Banho frio em Berlim jamais poderia ser uma solução definitiva. E galinhas são facilmente hipnotizáveis.

Pedro Só e jornalista e escreveu essa DB para a um número da Bizz, que não chegou a ser publicado.

Faixas:

  1. Lust for Life
  2. Sixteen
  3. Some Weird Sin
  4. The Passenger
  5. Tonight
  6. Success
  7. Turn Blue
  8. Neighborhood Threat
  9. Fall in Love With Me
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Senha: rndecay

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

On The Corner- Miles Davis - 1972



Em 1972, o choque elétrico que Miles Davis tinha dado no Jazz com o duplo Bitches Brew (1970), começava a ser assimilado.  Foi quando  o Prince of Darkness ( apelido que havia recebido, em 1967), leva o jogo a outro patamar, com o hipnótico e denso On The Corner.

Em 72, Davis foi introduzido à música de Stockhausen por um jovem arranjador e violoncelista, e mais tarde ganhador do Grammy: Paul Buckmaster, que influenciaria profundamente as novas gravações . Segundo o biógrafo J.K. Chambers : "O efeito dos estudos de Stockhausen por Davis não poderiam ser contidos por muito tempo. …sua própria 'música espacial', mostrava composicionalmente a influência de Stockhausen”. 

Suas performances ao vivo entre 1970-1972 eram verdadeiros laboratórios sonoros, onde Miles, muito bem acompanhado, inclusive contando com dois músicos brasileiros em sua banda, Airto Moreira e Hermeto Pascoal, criava novas linguagens e levava seus experimentos a extremos, antes impensáveis para o conservador Jazz.

Ao entrar em estúdio em junho de 1972, Miles resolveu experimentar até onde a mistura de Stockhausen e  black music elétrica de Sly and The Family Stone, Funkadellic, Stevie Wonder e Isaac Hayes poderia chegar. Acabou explorando uma sonoridade altamente dançante, negra urbana, feita sob medida para agradar o jovem público afro-americano. 

Chamou um time impecável de músicos, formado por Michael Henderson, Carlos Garnett, o percussionista Mtume, o guitarrista Reggie Lucas, o tocador de tabla Badal Roy, Khalil Balakrishna na cítara, o baterista Al Foster, e o pianista  Herbie Hancock, que também estava trilhando um caminho parecido ao unir o jazz ao funk (que geraria outro marco no fusion, o álbum Head Hunters, lançado em 1973). Após rápidas jams sessions, pariu um de seus melhores trabalhos.

On The Corner, soa como se Exu tocasse trompete em uma  encruzilhada de uma grande metrópole, ou a trilha sonora de uma versão Blackexpoitaiton do filme “2001”. 

O álbum é uma longa jam, que  não se prende a estrutura do jazz tradicional. A seção rítmica fornece um denso tapete polirrítmico sobre o qual os solos de trompete, encharcado de wha wha, e sax, se debruçam formando  camadas  de som, com elementos eletrônicos cheios de efeitos, que são adicionados e subtraídos, em meio a um transe sonoro, forrado por uma percussão afro sci fi. 


Previsivelmente, o disco não foi entendido na época e despertou a ira da crítica de jazz, que já vinha estranhando a fase elétrica de Miles há um bom tempo. On the Corner foi chamado de  "porcaria repetitiva" , "um insulto à inteligência das pessoas" e  foi considerado anti-jazz,  hostilidade resumida nas palavras nada amistosas do saxofonista  Stan Getz- "Essa música é inútil. Não significa nada. Não há nenhuma forma, nem conteúdo. Quase não tem swing”.

Mas o tempo mostrou que Miles estava certo e o disco é apontado como influência no pós punk (convidado pelo produtor Bill Laswell, Davis gravou algumas partes com trompete durante as sessões do disco Album, do  Public Image Ltd, contidas  na compilação Plastic Box). Nas palavras de Lyndon, "foi esquisito, nós não usamos (suas contribuições)." De acordo com Lydon, Davis comparou sua voz com o som de seu trompete).

Mas foi Luis Fernando Veríssimo, em uma de suas crônicas  no livro “Banquete 
com os Deuses” quem melhor sintetiza essa fase da carreira de Miles, usando uma das maiores paixões do músico, o boxe: “Um homem tem direito a fazer quantas revoluções por vida? Há quem diga que a última revolução de Miles Davis acabou em farsa, que o quase careca de túnica colorida fazendo fusão com a rapaziada não era nem uma sombra, era a múmia do antigo Miles reduzido a espasmos de som. Mas também há quem diga que o Miles da última fase era de uma coerência fulgurante, o velho boxeador na ponta dos pés e ainda fazendo história”.

On The Corner foi um direto no queixo. 

Nocaute.

Jefferson "Caverna" Nunes é um comunicador e fã de artes marciais. Nas horas vagas, curte pesquisa sobre música, quadrinhos, filmes e ficção científica. Apesar de ter um milhão de amigos, não leva desaforos para casa. Entre outras façanhas, já deu voadora no peito do Chorão e jogou o celular de um fã de tecnobrega pela janela do busão. ( Definição segundo Helder Maldonado).

Tracklist

01. On The Corner

02. New York Girl

03. Thinkin’ One Thing and Doin Anot

04. Vote For Miles

05. Black Satin

06. One and One

07. Helen Butte

08. Mr Freedom X

DOWNLOAD: RAPIDSHARE


Box: Miles Davis – The Complete On The Corner Sessions 1972-1975

Tracklist
CD1
01. On The Corner (Unedited Master)
02. On The Corner (Take 4)
03. One And One (Unedited Master)
04. Helen Butte/Mr. Freedom X (Unedited Master)
05. Jabali
CD2
01. Ife
02. Chieftain
03. Rated X
04. Turnaround
05. U-Turnaround
CD3
01. Billy Preston
02. The Hen
03. Big Fun/Holly-wuud (Take 2)
04. Big Fun/Holly-wuud (Take 3)
05. Peace
06. Mr. Foster
CD4
01. Calypso Frelimo
02. He Loved Him Madly
CD5
01. Maiysha
02. Mtume
03. Mtume (Take 11)
04. Hip-Skip
05. What They Do
06. Minnie
CD6
01. Red China Blues
02. On The Corner/New York Girl/Thinkin’ Of One Thing And Doin’ Another/Vote For Miles
03. Black Satin
04. One And One
05. Helen Butte/Mr. Freedom X
06. Big Fun
07. Holly-wuud
RAPIDSHARE:
DOWNLOAD: CD1
DOWNLOAD: CD2

DOWNLOAD! CD3
DOWNLOAD: CD4

DOWNLOAD: CD5

DOWNLOAD: CD6






quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Seis Perguntas para o Hansen. Por Jefferson Nunes e Helder Maldonado




Hansenharryebm, Johnny Hansen, ou o grandalhão esquisito que toca guitarra e canta na banda H.A.R.R.Y. Não importa a maneira como você conhece esse guitarrista que foi um dos pioneiros ao misturar a música eletrônica com o rock. O importante é saber um pouco mais sobre o que pensa um dos seres mais contraditórios e polêmicos que já pisaram em um palco no Brasil. Hansen é do tipo que não mede consequências ao emitir opiniões. Por isso, não teme ser declaradamente amante de "chuva dourada", a favor do porte de armas, entre outros comportamentos e temas controversos. Mas a forma como expõe seus ideais não causa ódio gratuito por parte de quem defende opiniões contrárias. 

De forma alguma. Hansen é dono de um carisma especial e, ainda por cima, tem um senso de humor apurado. O que faz com que suas frases de efeito e observações enviesadas sobre temas espinhosos acabem sendo interpretadas de uma maneira pouco conflituosa por parte de quem discorda. Não acredita? Leia a entrevista abaixo e conheça um pouco mais sobre o polêmico Johnny Hansen.


1) Tocaria com algum artista que odeia do fundo do coração, como Hebert Vianna?

Hansen - Não sei de onde tiraram essa idéia de que eu odeio o Herbert, eu não odeio nem baratas, só as mato pq é o certo a fazer. Mas sim, tocaria se a grana compensasse. Hoje me arrependo de não ter equilibrado as coisas e não ter levado uma carreira paralela como instrumentista, acompanhando quem quer que fosse, mas o problema é que guitarra bem tocada e drogas em excesso não são uma boa mistura. Mas sem o meu periodo junkie (1985-1991) eu jamais poderia ter concebido o som do H.A.R.R.Y.

2) O que é mais deprê: ficar sem grana ou ter que trampar em um set de filmes pornô?

Hansen - Eu não sou muito ambicioso, nem materialista. A unica coisa para que eu precisaria de dinheiro é a minha G.A.S. (Gear Aquisition Syndrome) para ter uns equipos mais decentes. Trampar com porno (fui assistente de camera e de produção durante mais de 4 anos) é muito divertido no primeiro ano, depois deixa de ser. O astral é muito negativo: os caras se chapam de viagra e brocham, tesão de verdade é a coisa mais ausente de um set de filmagem.

3) Qual seria o tamanho do Harry, se ele tivesse nascido em outro país?

Hansen - Isso é a mesma coisa que perguntar como a minha tia seria se ela fosse o meu tio, caso tivesse nascido com uma jeba. Sei lá, são várias opções, poderiamos ter sido um sucesso estrondoso, um fracasso mais absoluto do que aqui (pela concorrencia abundante, ao contrário do Brasil, bandas boas são coisa comum na civilização), poderiamos ter morrido todos de OD ou acidente aéreo.

4) O que você tem mais ódio na música nacional: De não poder viver do trampo autoral, ou de uma das únicas opções paralelas para ganhar muita grana ser justamente tocar com sertanejos?

Hansen- O que eu tenho mais ódio na musica nacional é pq ela é ruim, ultrapassada e bairrista. Ninguém acertaria que o A-ha é noruegues ou que o Mercyful Fate é dinamarques só de escutar, a musica deve ter um apelo universal. Aqui rola essa coisa do toque regional, se tivessemos um folclore de verdade como o celta, eu poderia até pensar nisso, mas quero que bumba meu boi, xotes e sei lá mais o que vão se foder. O Álvaro Pereira Jr contou que um dj australiano tocou o Harry no programa dele para exemplificar que o lugar de onde uma banda vem pode não influir absolutamente nada no som que fazem. Achei do caralho isso.


5) Por que trocou os sons sintetizados, pelo som da guitarra elétrica?

Hansen - Eu não troquei, eu estou voltando às origens. Eu sempre fui um guitarrista, o problema é que o conceito original do Harry, que era a mistura do electronico com o rock, foi sendo abandonado, primeiro limando a bateria de verdade e depois reduzindo o papel da guitarra a quase nada (e como eu me drogava muito, não me importei na época). Voltei a pegar firme na guitarra há apenas uns 2 anos, ela chegou a ficar uns 10 sem sair do bag. Deve ser autoafirmação de meia idade, ou até não, afinal shredders são criaturas desprezadas até mesmo entre os guitarristas mais convencionais, e é o nicho onde me encaixo e com orgulho, rsrsrs.

6) Por que você odeia os anos 90 ?

Hansen- Eu não odeio os anos 90, rolaram séries de tv do caralho e quadrinhos bons pra caralho (estes só na 1a metade da década). Musica? Aí complica, montes de banda ruins (e efemeras, quem se importa com Ruby, Senseless Things, Come ou Judybatts hoje em dia?) e as bandas boas dos 80s lançando discos ruins, e o pior, os produtores desaprenderam como gravar de maneira a vc distinguir os instrumentos uns dos outros. A prova é que discos de bandinhas meia boca como Teenage Fan Club ou Screaming Trees (que levariam um pau fácil de qualquer Icicle Works ou Red Lorry Yellow Lorry da vida) são consideradas clássicos. Curioso que uma das minhas bandas favoritas, o Apoptygma Berzerk começou a lançar discos em 93, mas eu sempre preferi considera-los como latecomers dos 80s.

(E se quiserem explicar para vossos leitores, se é que os há, a razão de um "famoso quem?" como eu estar sendo entrevistado, publiquem alguns dos links abaixo, ou todos eles)

Screaming Trees - Sweet Oblivion - 1992


Sabe-se lá porquê, em alguns instantes da vida, todas as energias do mundo parecem ser canalizadas para algum reduto do planeta.

Isso ocorreu no final dos anos 80 e início dos anos 90 numa cidade do norte dos EUA, no estado de Washington. O local? Seattle, claro.


Por alguns destes desígnios caprichos do universo, algo parecia fomentar uma movimentação na fria e chuvosa cidade.


O sucesso da – então ascendente - Microsoft atraía uma grande quantidade de jovens para as universidades locais. Os moleques estavam desejosos em fazer fortuna no ramo da informática. Uma outra empresa gigante, a Boing, também oferecia grandes possibilidades profissionais por aquelas bandas.


As universidades misturavam uma grande fauna de cabeças pensantes. Desde os nerds típicos até aquela turma que também estava apenas interessada em curtir os benefícios da idade e das farras inerentes aos redutos estudantis.


Esse segundo grupo é que lotava os clubes e bares onde as bandas locais e da região se apresentavam. Lembrem-se: Seattle era uma cidade gelada e chuvosa. Reunir os amigos para tomar umas e curtir um som nestes lugares era uma das melhores coisas da vida.


E foi a partir disso que se formou uma interessante cena musical com várias bandas de Seattle e das cidades vizinhas.


Uma destas cidades era Ellensburg. Ficava a 300 Km de Seattle. Na realidade, nem era tão vizinha assim, mas foi importantíssima porque foi deste local que veio o genial Screaming Trees. O nome do grupo é uma referência ao pedal de guitarra.


A banda foi formada na metade dos anos 80 pelos amigos Mark Lanegan (vocais) e pelos irmãos Van Conner (baixo) e Gary Lee Conner (guitarra).


Lançaram álbuns interessantíssimos. Um melhor que o outro, mas foi quando recrutaram o batera Barrett Martin que a banda chegou a formação ideal e gravou o maravilhoso Sweet Oblivion. Neste, eles atingiram a perfeição da fórmula: um rock sujo com fortes influências psicodélicas setentistas devidamente filtradas pelas sonoridades college garageiras dos anos 80.


O ano de lançamento foi 1992. O som das bandas de Seattle dominava as paradas mundo afora.


O Screaming Trees nem de longe tinha a fama dos seus conterrâneos famosos como Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains, mas foram jogados no mesmo tacho pela mídia ávida pelas "novidades".


Sweet Oblivion é um daqueles álbuns irrepreensíveis. Traz uma sonoridade que capta toda a essência da época.


“Shadow Of The Season” abre o album com guitarras que me fazem pensar em um mecanismo industrial gasto pelo tempo. A voz rouca, grave e “surrada” de Mark Lanegan é soturna, mas não é macabra. Parece ter sida embebida pelos whiskies na estradas da vida.

Martin Barret coloca uma pegada tribal na batera. Peso e ritmo hipnóticos. Soa quase uma invocação (sem querer) aos xamãs americanos. O trampo de guitarras é sujo e dá um clima beirando o místico para a canção. Coisa linda.

Em seguida já emenda “Nearly Lost You”. Mundialmente conhecida por se fazer presente na trilha sonora da famosa comédia romântica ambientada em Seattle, “Singles”.

Talvez seja a canção mais pop do álbum. Levada de bateria mais ritmada e um ar mais “alegre” digamos assim. O clipe tem algumas imagens de máquinas e tratores enferrujados num ferro velho, o que de alguma maneira remete ao termo “grunge” (que eu, particularmente, não gosto). É neste vídeo também que um dos gordinhos da banda rola no chão numa cena patética

“Dollar Bill” parece ter saído de um disco de Neil Young ou do Lynyrd Skynyrd. Começa ao violão e depois recebe o peso das guitarras. O vocal de Lanegan guia a melodia. Climática. O solo de guitarra parece chorar. Linda. O clipe em PB diz muito sobre a estética das bandas da época.


O começo de “More or Less” denuncia toda a tristeza das paisagens da redondeza de Seattle. A guitarra “berra” agonizante e a sensação de solidão permeia o ambiente. Um vazio na estrada é a sensação imediata. Uma longa e cansativa caminhada.


E aqui é preciso frisar o quanto o som dos Screaming Trees parece ser uma trilha sonora de andarilhos sem rumo. Mesmo que isso não esteja implícito nas letras.


"Butterfly" é uma das minhas músicas favoritas para o todo sempre. Daquelas que a gente canta o refrão a plenos pulmões. O clipe é muito bem sacado. Cores fortes e contrastantes. Parece ter sido inspirado na gloriosa série de TV do início dos anos 90: “Twin Peaks”, do genial David Lynch. Não por acaso, a fictícia cidadezinha de “Twin Peaks” ficava próxima a Seattle. Pra corroborar a perfeição, a letra da canção também é um primor.


A psicodelia nas guitarras sujas ressurge em “For Celebrations Past”. É uma daquelas raras canções do álbum que têm um “approaching” mais "alegre". Isso até Lanegan colocar seus vocais intensos e trazer novamente a carga de melancolia necessária para contrabalancear.


A faixa seguinte, "The Secret Kind" remete mais ao hard rock dos anos 70. O riff de guitarra é mais manjado e o trabalho de bateria é excepcional. Espaço para alguns experimentalismos sonoros instrumentais no meio da música. Não é uma faixa ruim, mas é a que menos me chama a atenção num álbum tão perfeito.



Uma banda vinda da fria Seattle teria que ter uma música chamada "Winter Song". Uma bela balada com letra cortante. A voz de Lanegan mais uma vez traz a medida certa para a canção se tornar memorável.

"Troubled Times" tem uma introdução road blues. Depois se torna num rockão poderoso com um riff simples e pungente. É outra faixa que parece ter saído da trilha sonora de "Twin Peaks". Matadora. 


E aí é a vez de "No One Knows", aquela que eu considero a MELHOR música da banda entre todos os álbuns. Um daqueles road blues lindíssimos. Com um vocal comovente e backing maravilhosos que lhe conferem um aura mágica. Dá até vontade de chorar ao ouví-la tamanha é a beleza da mesma. Cortante. Acerta fundo no coração, na alma. O solo é daquelas coisas que só ouvindo para você entender. A guitarra "lamenta" toda a melancolia do mundo em notas musicais perfeitas casando com a poética e triste letra. Música em estado puro. Arte em forma de sentimento.


E para encerrar: "Julie Paradise". Um final digno para aquele que é um dos melhores discos da década de 90.


Vale dizer que a produção ficou a cargo de Don Fleming que soube dosar melodia, peso e sujeira com habilidade e competência.

Um discaço e que, felizmente - contrariando o título - NÃO caiu no esquecimento.

Marcelo Almeida é redator publicitário e nas horas vagas trabalha com ilustrações, quando não esta perdido no labirinto de HQs do seu apartamento.



Faixas:

1. Shadow of the Season
2. Nearly Lost You
3. Dollar Bill
4. More or Less
5. Butterfly
6. For Celebrations Past
7. The Secret Kind
8. Winter Song
9. Troubled Times
10. No One Knows
11. Julie Paradise

Link para download

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Alex Antunes e a "Maldição" do Segundo Disco.



Não é maldição. é uma contingência real. 
No tarô, o arcano 1 é o mago, o comunicador. A passagem do 0 para o 1 (lançamento do primeiro álbum) é um magnífico investimento de energia, do louco (0), a energia caótica, para o foco da realização (1). 

Mas o arcano 2 (a sacerdotisa) traz consigo essa caracteristica de um conhecimento mais profundo (adquirido com a experiência do lançamento e da exposição à realidade e ao feedback) e de uma espécie de timidez ou contenção: para desdobrar 1 em 2 não é necessária mais energia, mas uma espécie de coragem moral em se assumir o que se significa. esse é o bode metafísico. 


É por isso que o Paulo Coelho sempre diz que, "O que acontece duas vezes, acontecerá uma 3a.". Porque estamos no domínio dos arquétipo básicos femininos: sacerdotisa -> imperatriz (3), e o significado dessa é o dos ciclos naturais. 

Uma banda de 1 disco "comunicou". 
Uma banda de dois discos "reconheceu-se". 
Uma banda de 3 discos "existe". 

ESSA É A GRANDE BURRADA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA: ficar na camada do 1. Qualquer projeto artístico consequente tem que prever 3 lançamentos.


Colocando em outras palavras, o segundo disco, por definição, é “um assunto interno”. Se não for tratado com essa sutileza, flopa.


Estourar no segundo disco como o NIRVANA, deveria ser bom né ? Ou LANCINANTE porque aí o artista foi consumido como uma espécie de profeta recalcitrante. É um pouco o caso da legião também.

Estourar no 3o. álbum é o bicho. ou a bicha.
Titãs estouraram no terceiro. Isso deu uma solidez que eu gostaria que não existisse. Um ótimo exemplo e o XTC. O White Music é meio disforme, apesar de talentoso. O Go2 é muito ensimesmado. O Drums and Wires é luminoso.

Alex Antunes é Jornalista, Escritor, produtor e uns lances ai.





sexta-feira, 16 de março de 2012

Skinny Puppy - Bites 1985 Netwerk Records



Lançado cerca de um ano depois do seu primeiro EP Remission, Bites é o primeiro álbum da banda canadense formada por  cEvin Key (Kevin Crompton) e Nivek Ogre (Kevin Ogilvie) em Vancouver em 1982.O conceito e o nome da banda surgiram da ideia de Kevin de criar algo visto e ouvido através da perspectiva de um cão.  A partir das influências absorvidas de bandas como Chrome e Cabaret Voltaire o SP começou a criar a partir de Remission sua sonoridade crua, sintética e sombria. Em Bites as linhas de sintetizador mais típicas do technopop oitentista usadas em algumas faixas de Remission deram lugar a construções complexas e texturas densas cridas por samples e efeitos.


O álbum começa com Assimilate, que junto com sua batida forte e dançante traz Ogre entre berros anunciado que o futuro será dentro de jaulas e que quem não apodrecer será “assimilado”. The Choke, a faixa que abre o lado b do vinil inicia com o bumbo sintético pontuando as conjecturas de Roman Polanski em seu filme O Inquilino, “se você cortar minha cabeça eu devo dizer eu e minha cabeça ou minha cabeça e eu” até que o grito arrepiante da cena final do filme introduz todo o peso dos sintetizadores e caixas. Mesmo sabendo que a banda é creditada como inventora do subgênero electro-industrial é espantoso ver como essa sequencia introdutória de The Choke foi tantas vezes imitada, recriada e reciclada sobrevivendo até 2012 em gêneros como dubstep e deathstep.

Capa, letras, sonoridade, tudo em Bites fascina e intriga, e ainda que não apresente a maturidade plena alcançada mais tarde em Vivisectci e Rabbies, o disco impressiona pela inspiração das composições e pelo sofisticado complexo de programações. O álbum abriu para o ouvinte da época toda uma nova perspectiva de experimentação extrema de novas sonoridades através da manipulação humana dos dispositivos eletrônicos, o que foi a base do que há de mais interessante em toda a música eletrônica desde então até os dias de hoje. 

Deiby Mendes, ser indefinível, e um entusista de música eletrônica que passa dias, mexendo em suas parafernálias eletrônicas sonoras, em seu quarto lá em Blumenau.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Smashing Pumpkins -Siamese Dream (1993)


Existe uma fronteira entre a melancolia, a fúria e o lirismo? Definitivamente, não. São três manifestações genuínamente humanas, devidamente analisadas sob a luz da metafísica, que nos faz ter certeza do nosso diferencial face à outros mamíferos do reino animal. Aparentemente, são três erupções identitárias disso que se define homem. Mas na verdade, não há diferença entre as mesmas, pois acabam por consubstanciar-se pela arte. Mas porque cargas d'água eu cai nesse assunto? Simples … Se eu não falar da concatenação dessas três propriedades da manifestação do homem, que conferem o seu caráter diferencial frente aos outros filos do reino animal, não poderei falar com propriedade de uma das obras musicais mais importantes da história da música em final do século XX.

Siamese Dream (1993), é um disco que foi concebido num momento que para muitos poderia ser considerado o insustentável. A banda já vinha de uma desgastante turnê de divulgação do álbum Gish (1991). E nesse meio tempo, a relação entre a banda encontrava-se plena e explicitamente desgastada pelos vários embates que ocorriam entre os membros. Darcy Wreztky (Baixo) e James Iha (Guitarrista) já tinham terminado o seu relacionamento, Jimmy Chamberlain (bateria) terminou por se afundar cada vez mais em um vício incontrolável de heroína, e Billy Corgan (Vocal e guitarra) estava no ápice de sua tirania. Cenário perfeito para o término de uma banda relativamente tenra, mas no caso do Smashing Pumpkins isso foi o combustível para ocasionar o vindouro e reverberante brilho de um dos discos mais significativos e influentes dos últimos vinte anos.


Gravado sob as condições mais adversas possíveis, eis que tal disco é concebido. Primeiramente a banda saí de Chicago, e muda seu local de trabalho para Atlanta, devido ao vício profundo de Chamberlain por heroína. Nessa tempestade também, Corgan concentra o processo de gravação apenas em dois elementos. Ele e o junkie. Os outros dois eram apenas enfeite, elemento de adição não muito significante. A produção do álbum ficou sob os cuidados de Butch Vig. Aquele mesmo que dois anos antes produzira o magnum opus da década. Nevermind. O irritadiço líder dos abóboras viu em Vig o ingrediente que faltava para alçar o seu segundo registro ao mainstream. Com exaustivas sessões de gravação, que chegavam a beirar dezesseis horas de estúdio, os três mosqueteiros conseguiram chegaram à um ápice estético sonoro que continua a reverberar até os dias de hoje. Exitos como today, cherub rock e disarm são amplamente lembradas por pessoas que viveram aquele momento, e que ouvindo tais canções tem acesso a uma memória imagética plena e bem constituída. Outras pedradas compõe o disco, como a irônica Silverfuck que é “dedicada” à Martha Corgan. Ou mesmo belíssimas, inesperançosas e sufocantes como Mayonaise e Geek U.S.A. Mas o álbum não é apenas fúria ou melancolia vomitada estupidamente com distorções violentas, e que rasgam a mente  e os sentimentos do ouvinte em milhares de pedaços. A tocante e bem escrita Luna vem à arrefecer toda essa intensa manifestação de desesperança, melancolia e raiva. Ao passo que acalma, ela deixa o álbum com uma grande incerteza. Será que terminou? A resposta deste humilde escritor – na mais tola das opiniões, é um humilde não, de forma bem recatada e patética.


Rafael Bedenik é um existencialista, preso em um corpo de moleque, vagando pelas ruas de Aracaju.

Artista: The Smashing Pumpkins
Álbum: Siamese Dreams

Ano: 1993

Gravadora: Virgin